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Falo, falo, falo

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Diferenças sexuais agudas

Eu gostava de encontrá-la no ônibus. Ela seguramente me achava gentil, viajávamos por mais de uma hora e meia e eu lhe oferecia os melhores assentos e muitas vezes lhe emprestava meu travesseiro. Depois sentava-me ao seu lado, o mais próximo que pudesse. Era quase sempre o mesmo ritual, de manhã, indo para o centro da cidade, e de noite, voltando, muito mais cansados, mas ainda com a pele sensível aos pequenos esbarrões de que são feitos os prazeres. Era uma estrada longa e repetitiva e quase tudo o que ela falava era o que ela reclamava: a trepidação do ônibus não lhe deixava dormir mais, e ela ficava sempre com a coluna doendo. Ela se interessava em fazer suas queixas, que a aliviavam, em me disparar pequenos sorrisos que eu considerava completamente ambivalentes e em usufruir do conforto da minha companhia segura. E do meu travesseiro. Eu me interessava em lhe emprestar o travesseiro que ficava muito mais confortável depois que ela recostava a cabeça e o pescoço nele, e ficava muito tempo quase dormindo. Eu ficava ao seu lado, nos meandros do quase sono e do desejo constante, imperando com mais vigor quando ela virava-se para a janela, encurvando a coluna na cadeira e invadindo a dobrinha que marca a fronteira entre nossos assentos, com suas costas, suas nádegas e suas coxas – quase sempre bem agasalhadas. Era nesses momentos que roçávamos. Muitas vezes eu congelava meu braço, minha perna ou meu quadril no momento em que nos triscávamos e eu ficava por muitos minutos recebendo doses do calor que vinha do corpo dela, um calor que parecia quase suficiente, liminar, o fim mesmo de qualquer empreitada. Eram minutos de uma ereção permanente e eu levemente passava a mão pela parte da minha calça que vestia o volume, com um misto de estupor e incômodo. Algumas vezes aconteceu que eu olhava em volta e via que todos dormiam a nossa volta, o cobrador talvez fosse o único a cultivar – ou fingir que cultivava – a habilidade de ter um sono quase sem peso, como se fosse possível desperta-lo com uma intenção. E nesses momentos parecia que tudo estava suspenso, se nós nos abraçássemos ali, trocássemos alguns beijos e eu pudesse passar a mão por todo o seu corpo, aquilo ficaria como que suspenso no ar, como um episódio sem começo e nem fim – como diziam que eram os beijos trocados nas baladas escuras: sem conseqüência. Mas o ônibus não era uma balada escura – e nem eu freqüentava baladas. Pensava apenas em fazer um movimento de mão e traze-la para mais junto de mim. Ela sempre era mais rápida, trocava de posição e se afastava de mim; eu desistia sempre provisoriamente. Em alguns minutos acordava, e olhava nos meus olhos para reclamar quanto durava aquela viagem. O ônibus quase todo o tempo em linha reta, nós quase o tempo todo em círculos.

Não falávamos nada de pessoal, eu sabia que ela trabalhava, não sei aonde. Nunca me perguntava nada – só quando nos conhecemos ela me perguntou sobre de onde vinha, qual era o meu nome e se eu gostava de filmes sobre casais se separando. Ela me disse que era seu gênero favorito – o único tipo de filme que ela conseguia assistir até o final. Falávamos muito mal das crianças, sobretudo das que estavam no ônibus, das que choravam quase todo o tempo fazendo a viagem dela ainda mais insuportável. Eu gostava do corpo dela no ônibus, nem precisava conversar com ela. Mas sempre tínhamos alguma coisa para dizer – ela sempre tinha uma queixa e uma esperança vaga de não precisar mais pegar aquele ônibus. Ela às vezes falava do meu cabelo ou das minhas unhas – ela estranhava minha aparência às vezes, porém era um estranhamento inteiramente passageiro. Outras pessoas observavam por mais tempo minha aparência desajeitada, desconjuntada que consideravam descabida – e essas observações eram muito menos que estranhamentos passageiros. Eu é que me assustava por mais tempo com todas essas observações, inclusive as dela: eu nunca me olhava no espelho – já não agüentava mais ver aquilo que eu aparecia, aquele homem nunca foi eu. Minha aparência me atormentava o dia todo; eu buscava coisas que me entretinham até o esquecimento e ela era uma dessas coisas. E eu a encontrava sempre – as viagens de ônibus eram mergulhos longos na distração de como era meu corpo porque dentro do ônibus eu encontrava ela.  Eu queria me dissolver naqueles momentos bem-fundamentados onde umas partes dos nossos corpos se apertavam – queria que meu corpo fosse apenas aquilo que raspa nela; nada mais, nem mesmo o resto dos órgãos exibindo felicidades, nem mesmo meus hormônios que se ocupavam em fazer daquilo algum soar de trombetas, algum prelúdio, alguma preliminar. Apenas queria mais daquilo, queria ter mais daquele corpo que fica esbarrado nela, e não queria nem minhas vísceras postas alhures. Que outro corpo eu poderia querer?

Nunca quis ter um corpo intermediário. É que sempre me assustava ter um corpo ainda mais abjeto. Quando tive a oportunidade de mudar, achei que tinha que mudar muito de uma vez – foram alguns meses, uma pausa na minha vida fora de casa. No máximo aparecia na janela para conversar por alguns minutos com os vizinhos íntimos que passavam para saber se eu precisava de alguma coisa ou para me informar do que se passava do lado de fora quando não tinham tempo de entrar para uma visita. As poucas visitas eram longas, eu contava o que estava acontecendo a cada dia, mostrava os remédios, os produtos de beleza, contava como me sentia e ensaiava estar em ombros e braços mais confortáveis. Eu realmente pensava que estava de mudança – como se meus órgãos estivessem todos empilhados dentro de um caminhão e eu tivesse chegado antes para preparar o novo endereço, esfregar o chão, pintar as paredes, ajeitar a sacada. E era como se eu tivesse indo para onde eu sempre quis morar – em um longo processo em que me excitava ver minhas coisas entulhadas, como se assim elas germinassem o embrião do seu lugar natural. Também sentia que era um processo de correção: fazer minha pele parecer minhas expectativas, meus cheiros terem a forma da minha inquietação – e tinha certeza que estava indo para minha sede definitiva. Eu lia a Bíblia: os relatos daquele povo em diáspora, buscando uma forma de encontrar uma terra sua, prometida, onde nada fosse estrangeiro – eram quase apenas esperanças que me ocupavam todos os dias. E cozinhava. Muito daquele tempo eu passei na cozinha, a idéia de preparar alimentos tinha um apelo ríspido: me tornar alguma coisa que pudesse ser servida, como se até aquele momento eu tivesse sido apenas um monte de ingredientes despreparados, amontoados que não encontravam suas próprias forças. Minha mãe e meu irmão faziam as compras e eu seguia receitas detalhadas, mesmo quando substituíamos a ervilha por umas vagens, os grãos de bico por feijões ou as acelgas por repolhos brancos. Mais do que os ingredientes, me interessava o que fazer com eles. Muitas vezes eu olhava da janela para a parada do ônibus, mesmo sem ter o ângulo para saber quem entrava e descia e quem ficava esperando. Da fresta do banheiro podia ver algumas costas acumuladas quando a parada se enchia, nenhum detalhe. Por uns dias um vizinho emprestou um binóculo – já que eu não saia de casa. Uma dessas manhãs vi seu casaco verde – ela estava esperando o ônibus atrasado, sua pele pareceu aconchegante, um refúgio, na temperatura acertada. Eu quis correr ao seu encontro, mas não fui, teria que pegar o ônibus e ainda não estava na hora, mesmo um mês depois da operação. Eu tinha que sentir que já havia me mudado, que já era suficientemente garota, por mais que tanta gente me dissesse que uma auréola de  inadequação nunca iria completamente embora. Eu só ia sair de casa quando eu não fosse mais aquele homem que eu não gostava de carregar comigo. Era uma chantagem comigo, mas eu confiava que a maior parte das dobras do meu corpo trabalhava sob pressão. Naquela manhã eu apenas voltei para a cama, esfreguei a planta do pé no cobertor; pelo que meus olhos viram, eu conseguia ainda sentir a temperatura protegida da minha pele debruçada na dela. Dizem que todas as partes do corpo ficam em miniatura na planta do pé – pulmões, braços, vesículas, costelas. Eu sentia minhas plantas do pé diferentes a cada dia, o cobertor parecia mais abaulado às minhas bordas, menos fibroso ao calcanhar. Em algum ponto dos pés eu sentia as carnes que podiam estar agora no ônibus, encostadas nela, em êxtase, emaranhadas com outros órgãos, menos ruminantes, menos ardidos, mais incisivos. Todos os outros centímetros eram algum poder fazendo barulho. Eu escutava, e esperava.

A primeira vez que eu saí de casa foi para pegar o ônibus para o centro outra vez. Eu vesti um sapato novo e fechado que meu irmão havia me dado de presente no natal, uma saia longa da minha mãe que eu sempre quis usar e uma camiseta larga, ainda queria meu corpo menos exposto. Eu sentei do lado dela, meu nervosismo mais aparente do que meu corpo inesperado. Ela demorou a me reconhecer – talvez quase meio minuto, trinta segundos me pinicando – mas não me perguntou o que aconteceu comigo, apenas sorriu e disse que eu havia sumido. Eu falei que eu precisei sumir. Ela reclamou do ônibus – cada dia mais cheio – e disse que eu tinha sorte de poder ter ficado tanto tempo sem fazer aquelas viagens agonizantes. Ela chamou as viagens de agonizantes, suspirou e olhou para os lados, mas depois sorriu mais – como se tivesse sentido a minha falta. Ela não se alterou com nada do que eu lhe contei; algumas angústias, a operação, meus meses entre a bíblia e a cozinha. Foram menos de vinte minutos de conversa e ela tentou esticar as pernas e fechou os olhos. Eu entreguei meu travesseiro. Ela sorriu outra vez, um sorriso menos habitual. Minha primeira vez em meses fora de casa. Ela esticou a perna direita um pouco mais para o meu lado, eu não movi a minha. Pus uma mão em cima da minha perna, com o canto da palma roçando o território dela. Procurei um sinal na sua cara, ela parecia sorrir e virar o rosto para a janela. No ônibus quase todo mundo dormia. Mais quieto ainda, por muito tempo o ônibus parado no sinal. A parte que tocava ela era tudo o que eu sentia do meu corpo, o resto parecia ter se dissolvido. Levantei o joelho e encostei a parte do sapato que carrega o calcanhar no seu tornozelo – aquilo sim era um ato deliberado. Ela apertou a perna contra a minha. Saímos do sinal vermelho.

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Esquizotrans e a manhã seguinte do queer: subversão não tem dono

A subversão da sexualidade é virótica demais para ser deixada nas mãos de mamutes, hipopótamos, partidos ou movimentos que escolheram seus inimigos. “Esquizo” em esquizotrans é queer, é militância para dissolver a adaga da binariedade sexual – é a parte que insinua que sexismo emerge de normas de comportamento e de formulação de suposição sobre o corpo das outras guiadas pela binariedade. Confundir o que enxergamos como macho, como fêmea. O esquizo é drag, o queer tem um pau feminino, um par de seios de sujeito homem. E esquizotrans é “trans”, desconfia de um cissexualismo subreptício que se aloja debaixo da pele de muita gente com conforto – um cissexualismo transfóbico e muitas vezes trans-misógino. Sem ser trans, periga o queer se cissexualizar.

Julia Serano compara o movimento queer dos anos 90 ao feminismo cultural dos anos 70. Ela cita Alice Echols: o feminismo radical era um movimento de empoderamento contra as amarras do sexismo enquanto o feminismo cultural passou a escolher inimigo. Serano compara então o feminismo radical com o Queer Nation (promovendo beijos coletivos no meio dos shopping centers os mais straights) e com o Transexual Menace de Riki Wilchins. Em seguida, ela suspeita, alguns movimento queer deixaram de ser infiltração e passaram a se pautar por nós-vs-eles. E tudo aquilo que não é suficientemente anti-binarista não pode ser suficientemente subversivo. Julia é MTF e suas amigas transmulheres muitas vezes se sentem desconfortáveis em eventos queer – elas são vistas como conformistas porque abandonaram um estado de queerness (eram homens que se identificavam com um corpo feminino no espelho, eram homens autoginefílicos, eram transgênero em suas performances) para se encaixar no espaço binário de ter um corpo de mulher. É como se não houvesse espaço senão para a inconformidade com a diferença sexual: esquizotrans não quer traçar limites entre corpo e atitude – com a diferença sexual se faz muitas coisas,ignorá-la é uma delas, podemos também retorcê-la, transitá-la, amassá-la, embrulhá-la com um papel anti-cissexual, virá-la de cabeça para baixo. É, de novo, o tema de se a diferença sexual implica heteronormatividade. E Julia Serano diz: em nome disso, o movimento queer pode estar gerando suas próprias Janice Raymonds e Thomas Kandos. Ou seja, criar um monstro de transfobia cissexista em que uma transmulher é acusada, outra vez, de ser invasora, espiã, agente duplo – desta vez nas fileiras da heteronormatividade. Descasque o tomate como você quiser, antibinariedade não é (nem suficiente e nem necessária para garantir) antisexismo.

Queer, por vezes, arreda um milímetro antes da natureza: como se o corpo fosse disforme e dele pudermos fazer o que quisermos – sim, temos genitálias sem órgãos. Contudo, as genitálias podem ser também manipuladas e Kate Bornstein pode ter uma genitália sem órgãos feminina no lugar da masculina – a performance não para na fronteira do corpo, não reconhece matéria prima; qualquer matéria pode pegar e trair sua prima. Julia Serano teme que “a cissexualização do transgenerismo teve consequencias devastadoras para a habilidade de transsexuais de articular nossa própria perspectiva do […] ativismo. Ao invés de sermos ouvidas e apreciadas nos nossos próprios termos, nos somos forçadas a aderir a retórica LG e a alguns valores para termos voz na nossa propria comunidade. […] Meu medo é que uma tendência homogenizadora seja a oportunidade perdida de ouvirmos várias vozes e mudar as mentes do público em geral. […] Ninguém tem conhecimento superior quanto a sexo e gênero.” (The Future of Queer/Trans Activism, in: Whipping Girl: A Transsexual Woman on Sexism and the Scapegoating of Femininity, p. 356-8).  Subversão pode vir de toda parte – binarismo não é conformismo e nem antibinarismo é já subversão – já que os corpos estão embrenhados em inteligibilidade. As batalhas da inteligibilidade não podem ser alheias a como as pessoas começam interpretando os corpos; o número 2 faz parte da matriz – e a matriz pode ser arremessada contra a heteronormatividade.  Subversão dos desejos é vertigem, são olhos tontos, genitálias em queda livre: ela pode vir de toda parte, não há trincheiras, não há exércitos formados e nem adianta fazer fortalezas ao longo de uma linha Maginot.

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Publicação na Artemis!!!!

e a apresentação da Artemis diz assim:

feminismo tropical, cálido, extravagante, chamativo como um turbante étnico, um brinco exagerado, o espelho de Oxum nas danças do Bamindele, a flor genitália que simboliza o Cunhã, o triângulo eterno que acompanha as campanhas deste feminismo múltiplo, de aspectos libertários, com cores berrantes, aromas cítricos corporais e sabores picantes, quentes em conformidade com o ambiente destas latitudes.Esse feminismo dos trópicos não fica a dever no plano da racionalidade ao feminismo americano ou europeu, mas acrescenta uma pitada de intuição, contemplando aspectos supra-racionais, explosivos, singulares, performáticos e, verdadeiramente, belos.

no número 9:

Como pode a diferença sexual fazer diferença

Notas sobre o que pode ser a diferença sexual

Alice Gabriel, Hilan Bensusan, José Bizerril, Thiago Vasconcelos, Luanna Barbosa, Rosana Medeiros, Mateus Fernandes, Beatriz Beltrão

RESUMO:

Este artigo procura experimentar com a noção de diferença sexual, tentando dar-lhe outras roupagens, a partir de críticas que surgem no seio da produção teórica feminista – como as de Monique Wittig e Judith Butler – mas também de tentativas de resgatá-la ou re-significá-la como nos escritos de Luce Irigaray e Rosi Braidotti. Será que a teoria queer e a crítica a política de identidade acabam de vez com o projeto de diferença sexual, ou há algo que sobra?

ABSTRACT:

The article endeavours to experiment with the notion of sexual difference, trying to dress it differently on the basis of the criticisms that came out of some feminist theory – particularly those of Monique Wittig and Judith Butler. It also attempts to rescue it from these criticisms based on the works of Luce Irigaray and Rosi Braidotti. Do queer theory and the criticisms to identity politics leave no more space to the project of sexual difference? Or there is still something that is left out?

Palavras-chave: diferença sexual, devir-mulher, transexualidade, matriz heterossexual, teoria queer.

Keywords: sexual difference, becoming-woman, transexuality, heterosexual matrix, queer theory.

O texto a seguir se organiza em pontos porque é multi-autoral. Ele é um produto das discussões que tivemos acerca da diferença sexual, no âmbito de um curso do programa de pós-graduação em filosofia da Universidade de Brasília no segundo semestre de 2007. O curso abordou o contraste entre os feminismos de Judith Butler e Rosi Braidotti como um pretexto para tratar da diferença sexual. Em discussões, facilmente cada pessoa assume muitas posições e não queríamos produzir consenso; algumas observações foram feitas em um âmbito específico da discussão que tentamos simular aqui; por isso, todo cuidado é pouco! A idéia foi tomar uma coleção de espremedores diferentes e espremer a diferença sexual pra saber que gosto tem seu suco; será que o gosto da idéia de diferença sexual é aparentado com o gosto da dicotomia sexo/gênero?

Optamos por um estilo vagamente inspirado no Tractatus de Ludwig Wittgenstein[1] – pelo menos no que tange a numeração de nossas proposições. Qualquer semelhança com a forma de contorção do pensamento que emerge no Tractatus é culpa e mérito do estilo – nada de mera coincidência. Porém não conseguimos manter uma estrutura linear: a diferença sexual nos colocou a ziguezaguear e algumas questões – as pedras nos nossos sapatos – sempre retornavam travestidas. O foco na diferença sexual nos levou muitas vezes a tematizar o intersexo e a transexualidade. (Pensamos até que talvez estivéssemos compondo um Transtactus…). Ao contrário de Wittgenstein no seu Tractatus, não pensamos que ficaram resolvidos muitos problemas – eles apenas ficaram massageados, apalpados, temperados e talvez espremidos. E, talvez, em contraste com o que pensava Wittgenstein dos resultados do seu Tractatus, isto tenha importância.

-1. Identidades são inteligíveis por meio de articulações de diferenças. O pensamento – e a ação (política, sexual, política e sexual) – se move no espaço dos mesmos e dos outros; é desse ponto de vista que enxergamos as diferenças, reafirmamo-nas e tentamos borrá-las. Muitas questões políticas, ontológicas e sexuais giram, portanto, em torno das questões acerca de que diferenças fazem diferença. (Ou, pelo menos, que diferenças estão fazendo diferença para nós.)

-1.1 A marcação de diferenças cria um pano de fundo que permite virem à tona políticas de identidade. Emergem sujeitos coletivos de ações políticas como os operários, as negras, as lésbicas ou as mulheres. É preciso que as diferenças que fazem surgir tais identidades precedam, em algum sentido, a ação política que elas promovem. A ação, então, é pensada como tendo um sujeito: aquele grupo de identidade.

-1.1.1 A crítica de Judith Butler[2] à importância da categoria “mulheres” para o feminismo pode ser entendida como uma instância da crítica à necessidade de que ações políticas tenham um sujeito coletivo que possa ser determinado de uma maneira que preceda – em algum sentido – a ação. Se o feminismo pode ser inteligível sem a categoria “mulheres”, ele pode dispensar a idéia de que haja alguma coisa como a diferença sexual.

0. O feminismo é muitas vezes pensado em termos do protagonismo das mulheres. Logo surge a idéia de que as mulheres não podem ser definidas como uma outra a partir do mesmo que são os homens: o protagonismo ontológico requer uma perspectiva em que as mulheres não são pensadas a partir de um mesmo masculino. Não ser pensada em termos de um outro, mas desde si mesma faz a diferença entre ser um objeto do pensamento e da ação e constituir um sujeito.

0.1 O protagonismo das mulheres pode levar rapidamente a alguma versão da diferença sexual. São as mulheres que agem – ou é em nome delas que se age. (O protagonismo das mulheres muitas vezes não é o mesmo que o protagonismo de uma mulher; e menos ainda de um fragmento da subjetividade de uma mulher.) É preciso que alguma coisa diferente do sujeito masculino tome as rédeas; e, preferencialmente, de um modo independente de qualquer reconhecimento do sujeito masculino.

0.1.1 Este caminho, por sua vez, pode levar suavemente à postulação de que o feminismo deve colocar seus esforços na construção de um sujeito feminino que não seja o outro, mas aquilo que está fora da capacidade de representação do sujeito masculino.

1. A diferença sexual é – grosso modo – a diferença entre, pelo menos, um sexo e outro. A diferença pode ser de muitas naturezas – ou entre o que é natural e o que é artificial, sobrenatural, cultural, desnaturado ou o que for.

1.1. Os sexos podem ser dois, como geralmente pensamos que seja o caso, mas podem ser cinco, como sugere Anne Fausto-Sterling[3], ou podem ser mais… até mesmo podem ser 6 bilhões – o que faria da diferença sexual uma diferença pessoal.

1.1.1. No caso de não serem dois os sexos, a diferença sexual não poderia ser definida por uma simples ausência ou presença de qualquer caractere sexual (seja primário, secundário) e, sobretudo, não poderia ser definida, como fazem algumas leituras da psicanálise, por meio do apelo ao falo.

1.1.1.1 Em todo caso, a diferença sexual é algumas vezes pensada como uma diferença entre categorias não facilmente definidas; assim, ela não pode ser determinada por traços, dimensões ou atributos específicos – no melhor dos casos apenas por um aglomerado deles.

1.1.2. Há uma longa tradição de pensar na diferença sexual binária.
1.1.2.1. A binariedade pode ser pensada como uma binariedade inata, como uma construção social ou como um misto delas.

1.1.2.1.1 Rosi Braidotti[4] procura entender a diferença sexual como uma composição de elementos inatos e ambientais – um pouco como o conceito de natal de Giles Deleuze e Félix Guattari[5], entendido em relação a um território em que o que é inato é introduzido e o que é adquirido é territorializado. Deleuze e Guattari entendem que os traços natais não podem ser reduzidos a categorias, mas devem ser pensados no âmbito dos acontecimentos: não é um comportamento que é inato ou adquirido, é um agenciamento, que é territorializado, que faz com que um indivíduo de uma espécie faça com os elementos daquela espécie seu território. A diferença sexual seria o uso que certos dispositivos institucionais fazem de alguns traços biológicos.

1.1.2.1.1.1 É certo que os traços biológicos e os dispositivos institucionais podem ser postos a serviço de outras diferenças – podem ser desterritorializados. Deleuze e Guattari apresentam uma imagem dos devires de acordo com a qual eles desterritorializam, eles escapam de onde traços foram colocados e se dirigem a alguma outra direção – emerge uma ontologia de linhas de fuga.

1.1.2.1.1.1.1 Porém, aqui Braidotti[6] está em desacordo com Deleuze e Guattari; ela pensa que há alguma coisa de molar na diferença sexual, alguma coisa que não está sujeita às flutuações dos devires e das desterritorializações. Ela pretende que a idéia de um sujeito feminino que não é um outro do sujeito masculino tenha um espaço dentro de uma teoria dos devires: o sujeito feminino é um ponto de partida tão legítimo quanto o sujeito masculino.

1.1.2.1.1.1.2 Deleuze e Guattari[7] dão um espaço para a diferença sexual binária e assim oferecem uma mão a Luce Irigaray: o devir-mulher (junto com o devir-animal) é uma porta a partir da qual todos os devires passam. Não há um devir-homem uma vez que os homens são os sujeitos. Os sujeitos são o que está estabelecido, o que está nas estruturas da organização das coisas: espera-se que o sujeito seja homem. São as estruturas molares. As mulheres estão na molecularidade, ou seja, no desvio. Há, portanto, uma assimetria que é como se apontasse para a molaridade do homem diante da molecularidade dos devires – o devir-mulher é uma das portas das linhas de fuga a partir do território masculino.

1.1.3 O tema da assimetria é crucial quando pensamos na diferença sexual. Braidotti diz que Deleuze destrói o sujeito antes de dar uma chance para que as mulheres sejam sujeito. Para ela, não apenas ele “postula um devir-mulher geral” que é insuficiente porque “não leva em conta a especificidade histórica e epistemológica do ponto de vista feminino feminista” como também não enxerga que uma conseqüência perniciosa das dicotomias que ele tenta criticar é o “posicionamento dos dois sexos em uma relação assimétrica”[8]. Para ela a assimetria entre os sexos precisa ser colocada em questão e o melhor modo de fazê-lo é postular a diferença sexual como uma diferença de pontos de partida para os devires. A diferença sexual está aqui para ficar – e é a assimetria que deve ser exorcizada.

1.1.4 Braidotti procura conciliar uma concepção deleuziana dos devires e uma perspectiva, inspirada em Irigaray, sobre a diferença sexual. Ao conceber dois sujeitos que se olhem como outros devemos criar espaço para uma heterossexualidade radical – em que o que está radicalizado é o “hétero”: dois sujeitos sexuais diferentes.

1.1.4.1. De certo modo a concepção de Irigaray é mais próxima da de Deleuze do que a da Braidotti. Irigaray parece pensar a diferença sexual como (e isso Braidotti capta de uma certa forma e deixa explícito na sua divisão da diferença de 3 modos) o que difere homens (o mesmo) de mulheres (o diferente): ou seja existe uma molaridade, o homem, o mesmo e as mulheres são elas mesmas a diferença, o devir, a molecularidade.

Mas, vivendo imersas numa ordem falogocêntrica onde se entendem e são entendidas como o reflexo, o oposto simétrico do mesmo, ou um homem a quem faltam coisas, as mulheres são pensadas em termos de molaridade. Não uma mulher molar, mas a molaridade do sujeito masculino. Ser entendida em seus próprios termos, positivar a diferença é devir-mulher. Logo não há dois pontos de partida, apenas um: o sujeito que já é desde sempre masculino e a garotinha, que segundo Freud, já é desde sempre um pequeno homem.

1.1.5 Mas a diferença sexual molar pode ser natal ou terá que ser inata ou adquirida?

1.1.5.1 Butler e Braidotti fazem uso de uma concepção lacaniana da sexualidade feminina. Butler procura relacionar o interdito lacaniano com a norma heterossexual. Braidotti pensa que:

a perda do corpo da mãe leva a garotinha à perda fundamental de narcisismo primário como uma cicatriz da ferida devido à separação. Essa perda fundamental é o que interdita o acesso a mãe como objeto primário do desejo, assim privando o sujeito feminino de uma base ontológica fundamental para sua auto-segurança. O garotinho, por outro lado, é ‘compensado’ depois por esta perda da mãe e tem seu desejo transferido para outra mulher. Ele perde seu objeto de amor original, mas herda a terra em troca; os homens tiram toda sorte de vantagens de sua posição de representantes do significante fálico. Para a garotinha, há apenas a miséria econômica e simbólica.[9]

1.1.5.1.1 Mas será que precisamos, como as autoras acima, partir da narrativa psicanalítica, freudiana ou lacaniana, da diferença sexual, ou aceitar tacitamente os termos em que é formulada?

1.1.5.2 Para Braidotti parece que a sina da garotinha está escrita em sua anatomia que, em grande medida, determina sua miséria simbólica. Se é assim, a diferença sexual implica que há uma predestinação a ser mulher – não se nasce mulher, mas se nasce proto-mulher.

1.1.5.2.1 Perguntando sobre a diferença sexual – inata ou adquirida? – nos perguntamos de que lado do vão da diferença sexual estariam as mulheres transexuais? O caso Janice Raymond[10], que acusou as mulheres transexuais de estupro das mulheres naturais uma vez que elas penetravam no seu movimento e se apropriavam dos elementos de seu corpo para si, vem à baila. Uma diferença sexual nos moldes de Braidotti pode servir de base para posições como a de Raymond uma vez que as mulheres transexuais não passaram pelas experiências de uma garotinha natural e, portanto, são infiltrações dentro do território das mulheres naturais. Poderíamos pensar que elas se desterritorializaram usando seu corpo para se orientar para um devir-mulher, remodelam o que é inato e destituem o adquirido. Porém se a diferença sexual é molar, e não podemos entendê-la em termos de devires, o sujeito feminino não é algo que se possa alcançar. As mulheres transexuais estão condenadas a jamais serem mulheres porque nasceram do lado errado da diferença sexual – a diferença persiste para além de qualquer desejo que apareça pelas subjetividades.

1.1.5.2.1.1. Porém talvez haja uma diferença entre a posição de Braidotti e aquilo que pode fazer uma alavanca para que o universo feminino esteja fechado às transexuais: a posição de Braidotti não pretende ser uma posição que normatize quem é mulher, mas que apenas teorize sobre a diferença. Nesse sentido, ela entende que a diferença sexual deve ser entendida sempre como uma articulação de três níveis de diferença: a diferença entre homens e mulheres, a diferença entre mulheres e a diferença entre os elementos sub-individuais em cada mulher[11]. Talvez no segundo nível caibam as diferenças entre as mulheres biológicas e as transexuais – e podem haver importantes diferenças aqui que não queremos tornar invisíveis. Poderíamos dizer que a miséria simbólica das garotinhas poderia ser produzida através do corpo e o desejo de homens – teríamos sujeitos perpassados por um devir-garotinha miserável. Porém esta linha de argumentação encontra seu fim quando esbarra com a molaridade da diferença sexual: o sujeito do devir-garotinha vai sempre continuar sendo o sujeito masculino.

1.1.5.2.1.2. Pensando a diferença sexual desta perspectiva, as pessoas que não foram criadas como apenas homens ou apenas mulheres – casos como os que surgiriam se pessoas intersexuais não tivessem seu gênero determinado na infância – não podem ser sujeito. Seriam então corpos abjetos por não serem suficientemente inteligíveis do ponto de vista da matriz binária (da diferença sexual)?

1.1.5.2.2. Talvez possamos então pensar em uma diferença sexual molar e ternária, e não binária: as pessoas trans seriam outros sujeitos – um terceiro pólo. De novo, porém, este não parece ser o espírito da idéia de diferença sexual de Braidotti.

1.1.5.3. A diferença sexual, concebida assim, tem implicações para a distinção entre o gênero feminino e o gênero masculino – anatomia (sexual) é destino (de gênero). Insistir na diferença sexual é insistir que o gênero é um produto do sexo ou, pelo menos, que há sexo para além do gênero; pois há a diferença sexual.

1.2. A idéia de diferença sexual é refém de um essencialismo dos sexos? Ou falar da diferença sexual como essencializante é já introduzir a diferença sexo/gênero onde ela talvez não caiba, ou não seja bem-vinda?

1.2.1. A distinção sexo/gênero é justamente uma forma de minar a idéia de que mulheres e homens são apenas definidos pelo seu sexo e por nada mais. Ou seja, tudo o que engloba o que chamamos de mulher – desejos, comportamentos, atitudes – está já previamente definido pelo órgão sexual. Com essa distinção o sexo se torna quase um natural amorfo, e o gênero aquilo que é produzido culturalmente. O gênero pode então fazer o que quiser com o sexo.

1.2.1 O que se quer dizer aqui é que com tal diferenciação, um órgão sexual específico não determina os desejos dos seus portadores, abre-se espaço então para todos os tipos de desejos, como os homossexuais, lésbicos, travestis etc. Por isso mesmo, a própria idéia de sexo como algo natural pode ser questionada.

1.2.2. Monique Wittig[12] finca o pé na distinção entre sexo e gênero para criticar a idéia de diferença sexual: o problema é o sexo justamente porque ele é a materialização de um efeito ideológico que posa de natural. O sexo não é jogado fora porque ele é uma categoria em excesso, mas porque é um lobo em pele de cordeiro: ele passa por natural quando na realidade é cria da opressão das mulheres. Butler[13] seguindo os passos de Wittig, vai afirmar que o sexo desde o começo já é gênero. A materialidade do sexo decorre de um efeito de materialidade que pode ser genealogicamente rastreado. Se o sexo é efeito do gênero, a diferença sexual teria que ser desfeita ao se desfazer gênero.

1.2.2.1. Pode ser, contudo, que a crítica à categoria de sexo nos termos wittigianos não implique uma crítica à diferença sexual pensada como natal. Se, à moda de Donna Haraway[14], reinventamos a natureza, recusando as noções arraigadas de que natureza e política se oponham, alcançamos uma outra possibilidade de pensar na diferença sexual. Se o par sexo/gênero serve para dizer que alguma coisa é construída enquanto outra é natural e, se o que queremos é rejeitar a idéia de uma naturalidade do sexo, porque manter um dos lados do par? Mesmo que pensemos a “natureza” como uma invenção ideológica, uma naturalização do gênero, como faz Wittig[15], o problema permanece – de certa forma esse é o problema de Butler[16]: gênero só faz sentido quando em relação a sexo. Pensar em termos de uma reinvenção de sexo (ou gênero), ou em termos de um sexo natal parece ser uma estratégia que se aproxima da de Butler.

1.2.3. De uma maneira geral, pode parecer que há mais diferença sexual entre o céu e a terra do que supõe nossa vã distinção sexo/gênero?


1.3. Wittig, novamente, acusa as teóricas da diferença sexual influenciadas por Irigaray pelo fato de suas teorias evocarem a heterossexualidade como pano de fundo. Em suas palavras: “A categoria de sexo é a categoria política que funda a sociedade como heterossexual”.[17] Só faria sentido dividirmos as pessoas em dois sexos se estamos mirando uma noção de reprodução da espécie.

1.3.1. Mas isso se segue se pressupomos que os sexos sejam dois – como o fazem muitas vezes as teóricas da diferença sexual, inclusive Braidotti – e se pressupomos que a reprodução da espécie seja refém de uma relação heterossexual. Na era de bebês de proveta, a reprodução da espécie pode ser garantida via soluções que beiram a ficção científica.

1.3.2. Falta pensar com calma o que queremos dizer quando falamos “heterossexualidade”. Quando Wittig[18] fala que o sexo funda a sociedade como heterossexual, o hétero é claramente um palavrão. Está a heterossexualidade sempre ligada a uma dinâmica de opressão ou hierarquia entre homens e mulheres?

1.3.3 Examinemos a discussão proposta por Butler[19]: ao mesmo tempo em que ela propõe estratégias para desconstruir a matriz binária da heterossexualidade compulsória, também possibilita, indiretamente, pensar uma heterossexualidade não-normativa, nem compulsória ou necessariamente hierárquica. A “heterossexualidade liberada”[20] é apenas uma dentre inúmeras possibilidades de performances de gênero e práticas de sexualidade.


2. Poderíamos, com auxílio de Wittig – quando diz que “a categoria do sexo é o produto da sociedade heterossexual que transforma metade da população em seres sexuais, porque sexo é uma categoria da qual as mulheres não podem ficar de fora”[21] – pensar a diferença sexual em termos de uma construção de hierarquias com base na sexuação de alguns sujeitos: mulheres, homens homo, queers, trans[22] Diferença sexual se igualaria à diferença entre aqueles sujeitos que são ou não sexuados.

2.1. Mas o problema é que, o sujeito é exatamente aquele que não é sexuado, porque ser sexuada é ser particular, é ser concreta. E o sujeito é universal e neutro.

2.1.1. Se o sujeito é universal e não sexual, não pode haver sujeito feminino – que seria um sujeito sexuado. As mulheres só podem se tornar sujeito se a categoria de sexo for exorcizada – e se ela for exorcizada, não há mais diferença sexual. Wittig nos coloca em um dilema: ou preservamos a diferença sexual e as mulheres não podem ser sujeito ou as mulheres são sujeitos e temos que deixar de lado a diferença sexual. (Braidotti e Irigaray, é claro, não podem aceitar este dilema e estão prontas a reabilitar a categoria de sexo para poder preservar a diferença sexual.)

2.1.2. Porém em certo sentido, Wittig e Irigaray dão as mãos: o sujeito é masculino.
2.2. Wittig tira – rapidamente – a mão: as não-sujeitos podem (e devem) reivindicar não apenas o lugar de sujeito (um sujeito feminino), mas também o lugar do universal, e é exatamente assim que escapam de sua prisão categorial; falar como sujeito universal e ser mulher cria um paradoxo. Vira-se o Female Man de Joanna Russ: “para resolver as contradições, una-as em seu próprio corpo”[23].

2.2.1. Enquanto isso, Irigaray segue pensando que é possível a (r)existência em outra forma que não a falogocêntrica. O feminino resiste à universalidade, é não uno, é múltiplo.

2.2.2. Será que nessa multiplicidade cabe a Emma mencionada por Fausto-Sterling[24]? E cabem, como aventa a 1.1.5.2.1.1 acima, as mulheres transexuais?

2.3. Mas se vamos falar de diferença entre sexuadas e não sexuados vamos diferenciar entre os tipos de sexuação? Porque isso já seria pensar a diferença sexual novamente em termos de categorias sexuais fixas existentes e permanentes.

2.4. Ou podemos fazer a diferença entre uma hom(em)ssexualidade e uma heterossexualidade (como faz Irigaray[25]); aonde hom(em)ssexualidade está para não-sexuados assim como heterossexualidade está para sexuadas.

2.4.1. Aqui heterossexualidade só pode ser entendida como uma altersexualidade que é aquilo que contrasta com a categoria de sexo analisada por Wittig[26]; ou seja, o sujeito universal lesbiano é altersexual: há sempre uma não-unidade, um movimento em direção a uma outra, diferente.

2.4.1.1. Em uma relação altersexual não haveria binariedade, sempre multiplicidades de sexualidades singulares. Estamos bastante longe do que queria Irigaray com a idéia de diferença sexual?

2.5. Se, entretanto, para Wittig[27] faz sentido falar que o sujeito universal é de-sexuado, para Butler[28] o sujeito falante é formado em virtude de ter passado pelo processo de assumir um sexo – que é o que torna um corpo inteligível.

2.5.1. Para Butler[29] não há apenas o gênero feminino, há uma multiplicidade de gêneros possíveis e reais, mas que têm sua existência, persistência, limitada por uma não identificação/reconhecimento dentro da matriz hétero de inteligibilidade. São corpos abjetos, o exterior constitutivo do sujeito.

2.5.2. A diferença sexual pode ser a diferença entre um sexo coerente dentro do imperativo hétero e um sexo incoerente, abjeto. É a diferença entre o sujeito e o abjeto, é a norma.

2.5.2.1. O paradoxo da proposição acima é que o abjeto só existe como tal porque há norma, ou visto a partir de uma norma. Sendo assim, como nos lembra sempre Butler[30], não há nenhum lugar de fora, ou antes da norma de onde pensar. Mesmo o que está fora, foi expulso para o exterior pela constituição da matriz de inteligibilidade binária.

2.5.3. Mas para Irigaray o abjeto é feminino. Não é o caso para Butler [1993], para quem o abjeto é tudo aquilo que escapa à matriz heterossexual de inteligibilidade dos corpos. A diferença sexual entendida em termos de sujeito e abjeto poderia ser aceita por Butler desde que não se faça coincidir o abjeto e o feminino.

2.5.3.1.Talvez para Butler [2004] a questão seja tornar a norma de inteligibilidade cultural dos corpos mais ampla, de modo a reconhecer e permitir o reconhecimento de corpos não correspondentes às expectativas heteronormativas. Mas o ponto cego desta abordagem é que na medida em que se reivindica legitimidade para certos corpos abjetos, ou seja, que se busca incluí-los dentro da categoria dos corpos viáveis, possíveis, vivíveis, ao mesmo tempo se produz novas formas de abjeção, que englobam outros corpos, performances ainda não representadas politicamente, num ciclo que pode ser sem fim.

2.5.3.1.1. A questão é mesmo se podemos evitar normas de inteligibilidade para os corpos. Aqui a questão se mistura com o diagnóstico de Agamben[31] de que há, em nossas maneiras de pensar, uma máquina antropológica que distingue os humanos dos outros animais e é responsável pela categoria dos sub-humanos – e dos abjetos. Desmontar a máquina antropológica seria dissolver a noção mesma do que é humano – em particular, do que é um corpo humano (não-abjeto).

2.5.3.1.2. A questão da abjeção – e da máquina antropológica – fica ainda mais premente diante das tecnologias que produzem cyborgs e das cirurgias de transição de sexo. A inteligibilidade dos corpos – uma idéia que está relacionada com aquela de reconhecimento – tem que correr atrás dos desejos de transformação dos corpos.

3. Mas afinal, a diferença sexual, no sentido de Braidotti, pode ser entendida como a norma hétero em ação? Ou seja, há algo mais na diferença sexual do que as garras da matriz heterossexual diagnosticada por Butler? Ou o foco de uma perspectiva da diferença está justamente naquilo que (r)existe a(pesar da) norma?

3.1. Butler se interessa pela diferença sexual tal como Braidotti a entende porque pode ser que ela não seja apenas um subproduto da matriz heterossexual, “mas que ela é inevitável e fundamental ainda que sua forma patriarcal seja contestável.”[32]. Ela contrasta esta posição com aquela que considera que a diferença sexual é inevitável e, portanto, o patriarcado é eterno.

3.1.1 A diferença sexual, na concepção de Braidotti, aponta para a capacidade de subversão das mulheres diante da ordem falogocêntrica – trata-se de um poço de subversão que não pode ser desprezado. É assim que a teoria da diferença sexual – pelo menos nas formas diretamente influenciadas por Irigaray – se alimenta das experiêncas de écriture feminine.

3.2. Sendo a diferença a ação da norma: é interessante ou problemático que (r)existam resíduos da norma?

3.2.1. Pode ser que os resíduos possam ser retomados, como os cyborgs ou as tecnologias médicas podem ser retomados para finalidades feministas[33]. A diferença sexual pode ser um construto do heteropatriarcado que pode se voltar contra ele – um instrumento de subversão não precisa ter a pureza de preceder, em algum sentido, aquilo que ele quer subverter: um instrumento de subversão não precisa ser puro para ser bom, ou efetivo.

3.2.1.1 Podemos então retomar o tema da identidade e da categoria “mulheres” como apareceu em -1.1.1. Pode ser mesmo que a categoria “mulheres” seja um produto da matriz heterossexual e, ainda assim, possa ser apropriado por uma estratégia de dissolução do heteropatriarcado – e do falogocentrismo.

3.2.1.1.1. Teremos então que admitir que, ao contrário do famoso motto de Audre Lorde, alguns instrumentos do mestre podem ser reapropriados – e mesmo recalibrados, reprogramados, resintonizados, reformatados – para se tornarem úteis para desmontar a casa do mestre.

3.2.2. E pode se tornar atraente uma posição como a de Wittig; o foco de sua teoria está na fuga – não no que sobra, mas no que ativamente escapa, foge – no processo de mudança desse território – o território da diferença sexual entendida como diferenciação entre homens e mulheres – para outro território possível ou pensável, mas não existente ou não presente. Lesbianas são escravas fugidas, mas para elas não há o “outro lado do rio Mississipi”[34] onde serão livres, elas tem que fazer como escravas fizeram no Brasil, criar seus próprios territórios quilombolas. Elas partem da diferença sexual sem garantia nenhuma de segurança/liberdade/sobrevivência.

3.2.2.1. Deleuze e Wittig dão as mãos? Poderiam ser as lesbianas de Wittig pensadas como um devir, uma rota de fuga para além de identidades molares de homens e mulheres produzidas pela norma hétero?

3.2.2.1.1. Assim, fica parecendo que há mais nomadismo na fuga das escravas de Wittig – fuga em direção as diferenças a partir de uma rejeição da categoria opressiva de sexo – do que na diferença sexual molar de Braidotti.

3.2.2.1.2 Também podemos, já que estamos por aqui, aproximar Deleuze de Butler. Em Deleuze[35] a diferença sexual é a diferença entre o homem molar e o devir-mulher. Não se trata de consolidar um sujeito feminino, mas deixar o sujeito se contaminar por devires que o levam alhures. Para Butler[36], como o gênero é uma performance reiterativa, coloca-se no plano de um perpétuo vir-a-ser.

3.2.2.1.2.1 Podemos entender o devir-mulher como a subversão da ordem heteropatriarcal – a subversão do sujeito falogocêntrico. Uma subversão desde dentro, desde o sujeito mesmo. O devir-mulher é uma porta que leva a vários outros devires: não há um caminho pronto para o desmantelamento da ordem falogocêntrica e nem sequer há um sujeito que se põe a empreender este desmantelamento.

3.2.2.1.2.2 Butler[37] escreve que muitas pessoas a consideram deleuziana, mas ela tem várias discordâncias com alguns elementos da maneira de pensar de Deleuze (e Guattari). Em seu livro de 1987, ela apresenta algumas destas discordâncias mais detidamente – sobretudo quando ela afirma que o desejo, para Deleuze, deve preceder as construções sociais e lingüísticas. É discutível que sua leitura da perspectiva de Deleuze e Guattari sobre o desejo seja apropriada, porém isso não é crucial para a aproximação entre Deleuze e Butler.

3.2.2.1.2.3 Butler entende que a subversão não tem um mapa definido – que ela se espraia para todos os lados. Na nossa Butleuze (que congrega elementos de Butler com elementos de Deleuze) não se trata de encontrar um sujeito subversivo, ou um aglomerado de indivíduos subversivos, mas antes de encontrar as forças, desejos, elementos dividuais que atuam na direção de desmantelar a casa do mestre. Não se trata de uma ação política organizada, planejada de um sujeito, mas antes de forças que atuam pelas arenas sub-subjetivas e desmantelam o mestre na estrutura mesma de sua subjetividade.

3.2.2.1.2.4. Porém Butler entende que os desejos e as forças não-hegemônicas na matriz heterossexual devem ser entendidos sobre o pano de fundo das normas de inteligibilidade. É como se não houvesse uma diferença externa, como se entendêssemos a subversão (a performance subversiva) a partir das normas de inteligibilidade. O subversivo é apenas o outro, definido a partir da norma e não em seus próprios termos. O subversivo não tem uma força própria, mas requer atos de reconhecimento.

3.3. O reconhecimento é o problema ou a solução? Queremos ampliar a norma ou é a norma a armadilha que queremos evitar? Podemos pensar sem a norma?

3.3.1 A norma, assim como a diferença sexual, parece colonizar nossas formas de pensar dando a impressão de que não podemos pensar sem ela. Mas a norma não permite uma perspectiva externa – alguma coisa que veja as coisas (e a norma) desde uma outra perspectiva. A diferença sexual pretende ser pensada desde uma outra perspectiva, uma perspectiva que tenha apenas uma relação externa com a norma hegemônica.

3.3.1.1. Não poder pensar em um corpo existindo fora ou resistindo à norma: o abjeto é o impensável? Abjetas seriam pessoas mal-representadas (ou mal-reconhecidas) pela norma? Assim, seriam os corpos abjetos definidos a partir da norma? Talvez pudéssemos – pensando em pessoas abjetas – encontrar uma perspectiva externa à norma.

3.3.2. A abjeção é o que fica do lado de fora da norma quando pensada desde a norma. Como foi dito acima, podem ser as mulheres, podem ser os corpos que não obedecem a matriz de inteligibilidade: estas duas categorias não precisam coincidir.

3.3.2.1 Será que o reconhecimento via norma se dá por categorias guarda-roupa? Em tais categorias, a gente enfia uma série de coisas que parecem ser a mesma coisa, mas que talvez não sejam. “Mulheres” é uma categoria guarda-roupa, porém “viados” também é.

3.3.3. Então podemos pensar na diferença sexual como sendo a diferença entre três categorias guarda-roupa: “mulheres”, “homens” e “o resto de nós”[38], tendo as três categorias uma relação externa entre elas – sendo diferentes entre si e não postas uma em função da inteligibilidade da outra. Na categoria “o resto de nós”, a categoria viada, cabem todas as letras do alfabeto LGBTTTQIA… Para tanto, teríamos que enfatizar que há uma maneira de pensar do resto de nós – uma espécie de écriture queer. É certo que caso a estratégia funcione para o caso da diferença sexual de Irigaray, ela deve funcionar também aqui.

3.3.3.1 Vale notar que de uma perspectiva da diferença sexual tradicional, o alfabeto seria codificado em termos de múltiplas combinações dos elementos constitutivos binários. Ou seja, não há espaço para a categoria viada senão como uma categoria composta – sujeitos compostos a partir de diferença (e não de identidade) sexual: abre-se a possibilidade de uma multiplicidade de sexos.

3.3.4. Ou então, já que a diferença sexual foi entendida em 1 como sendo a diferença entre pelo menos dois sexos, o “pelo menos” abre a possibilidade de diferenciarmos entre quantos sexos quisermos – no limite de fazermos da diferença sexual uma diferença pessoal.

3.3.4.1. Postular um outro número qualquer de sexos, digamos 3, ou pelo menos 5, aceitando-se o argumento de Fausto-Sterling[39] sobre os intersexos, contudo, ainda não resolve a questão. Cheryl Chase, falando em nome da sociedade norte-americana dos intersexos, problematiza o pressuposto vitoriano de supor que a sexualidade se baseia inteiramente na natureza das gônadas, presente no artigo pioneiro de 1993, o que levou Fausto-Sterling a rever sua posição em 2000: seria melhor não atribuir sentidos clínicos ou identitários aos fenótipos sexuados.

3.3.2.1.2.2. Isto nos leva bem mais próximo de uma posição queer sobre a diferença sexual. Isto é, uma proliferação de identidades que são sempre nômades e híbridas. Aqui parece que podemos encontrar uma posição como a de Riki Wilchins[40], que não enfatiza tanto a norma, mas antes as diferenças que emergem a partir do que ela descreve como o fim do gênero. (Nota-se a inspiração butleriana na desconstrução do gênero entendido como efeito da matriz heterossexual compulsória e, ao mesmo tempo, uma tentativa de evitar que só se possa pensar a partir da norma). Esta posição pode ser entendida a partir da clareira de diferença positiva aberta pela idéia de diferença sexual: não pensar nenhum corpo em termos de normas mas, se possível, nos seus próprios termos.

3.3.2.1.2.2.1 Trata-se, mais uma vez, do desafio de pensar em uma alteridade sem ser em termos do Mesmo, sem ser em termos de uma norma de inteligibilidade que não surge do outro. Talvez a diferença sexual aponte mesmo para os limites do pensamento – e de fato ela pretendeu apontar pelo menos para os limites do pensamento normativo e representativo (os limites do pensamento falogocêntrico). O desafio da diferença sexual – o desafio da écriture feminine ou da écriture queer – é o desafio de encontrar pensamento que possa ser dado como tal fora do âmbito do pensamento falogocêntrico.

3.3.2.1.2.2.2. Aqui surge, mais uma vez, a questão do reconhecimento. Podemos dispensar reconhecimento: pensamentos diferentes não podem ser reconhecidos desde dentro.

3.3.2.1.2.2.2.1 Ou podemos imaginar que o reconhecimento tem que ser feito a partir de um Mesmo, mas talvez possamos imaginar que podemos reconhecer um pensamento não-falogocêntrico apenas porque podemos transitar entre maneiras de pensar.

3.3.2.1.2.2.2.2.E pode ser, também, que o pensamento falogocêntrico tenha brechas que ele próprio não possa preencher.

3.3.2.1.2.2.3 Em todo caso, podemos imaginar de que maneira a diferença sexual inaugura uma abordagem que contrasta com aquela das matrizes de inteligibilidade.

3.5. Quem sabe, ainda, podemos pensar também em uma diferença sexual binária entre categorias de dentro e categorias de fora do guarda-roupa.

3.6. Pode ser que, em alguma dessas muitas alternativas, a diferença sexual possa fazer diferenças.

Referências:

Agamben, Giorgio. L’Aperto. Turim: Bollati Boringhieri, 2002.

Bornstein, Kate. Gender Outlaw – On men, women and the rest of us. Nova York: Vintage, 1995. [no rodapé aparece como 1985. Qualo certo?]

Braidotti, Rosi (1994) Nomadic Subjects, tradução argentina: Sujeitos Nómades, Buenos Aires: Paidós, 2000. (Capítulos citados a partir da tradução argentina)

Braidotti, Rosi. Metamorphoses – Towards a materialist theory of becomings. Cambridge: Polity, 2002.

Butler, Judith. Subjects of Desire. Nova York: Columbia University Press, 1987.

Butler, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York and London: Routledge, 1990. Edição Brasileira: Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Butler, Judith. Bodies that matteron the discursive limits of “sex” London: Routledge, 1993.

Butler, Judith. Undoing Gender. New York/ Milton Park: Routledge, 2004.

Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mille Plateaux, Paris, Minuit. Edição Brasileira: Mil Platôs, São Paulo: Editora 34, 1980/1997.

Fausto-Sterling, Anne. The 5 Sexes: why male and female is not enough?”. The Sciences, Nova York, The New York Academy of Sciences, march/april 1993, p. 20-25.

FAUSTO-STERLING, Anne. The five Sexes revisited: the varieties of sex wil test medical values and social norms”. The Sciences, New York, The New York Academy of Sciences, july/august. 2000, p. 18-23.

Haraway, Donna. Simians, Cyborgs and Women: The Reinvention of Nature. Nova York: Routledge, 1991.

Irigaray, Luce. Speculum of the Other Woman. Tradução em inglês de 1985, Nova York: Cornell University Press, 1974/1985.

Queen, Carol & Schimel, Lawrence (eds.) Pomosexuals. San Francisco: Cleis, 1997.

Raymond, Janice. The Transsexual Empire: The making of the she-male. Boston: Beacon Press, 1979.

Russ, Joanna. The Female Man. Boston: Beacon Press, 2000.

Stryker, Susan & Whittle, Stephen (eds.) The Transgender Studies Reader. Nova York: Routledge, 2006.

Wilchins, Riki. Read my lips: sexual subversion an dthe end of gender. Ithaca: Firebrand books, 1997.

Wittig, Monique (1976) The Straight Mind and Other Essays.. Boston: Beacon Press, 1992.

Wittgenstein, Ludwig. (1921) Tractatus Logico-Philosophicus. Edição Brasileira: São Paulo: Edusp, 2001.


[1] WITTGENSTEIN 1921

[2] BUTLER 1990/2003

[3] FAUSTO-STERLING 1993/2000

[4]BRAIDOTTI 2002

[5] DELEUZE e GUATTARI 1980/1997.

[6] BRAIDOTTI 1994/2000[…]; 2002[…]

[7] DELEUZE e GUATTARI 1980/1997[…]

[8] BRAIDOTTI 2002, p. 82, tradução nossa.

[9] BRAIDOTTI 2002, p. 45

[10] RAYMOND 1979, […] Stryker & Whittle 2006.

[11] Por exemplo, em BRAIDOTTI 1994/2000[…]

[12] WITTIG 1976/1992.

[13] BUTLER1990/2003, 1993.

[14] Haraway 1991.

[15] WITTIG 1976/1992.

[16] BUTLER 1993.

[17] WITTIG 1976/1992, p. 5. Tradução nossa.

[18] WITTIG1976/1992.

[19] BUTLER1990/2003, 2004.

[20] BUTLER 1990/2003.

[21] WITTIG 1976/1992, p. 8, tradução nossa.

[22] Ver nota 26 do capítulo 3 do Problemas de Gênero de Judith Butler: “Embora a própria Wittig não questione este ponto, sua teoria pode explicar a violência contra os sujeitos sexuados – mulheres, lésbicas, homens gays, para nomear uns poucos – como a imposição violenta de uma categoria violentamente construída. Em outras palavras, os crimes sexuais contra esses corpos os reduzem a seu “sexo”, assim afirmando e impondo a redução da própria categoria.”

[23] RUSS 2000. Há uma passagem do romance de ficção científica The Female Man, de Joanna Russ, aonde uma das personagens consegue incorporar o projeto de Wittig de saída da categoria sexual mediante uma experiência de falar como sujeito universal. A seguinte passagem continua a explorar a transformação wiitigiana de Joana: “você não pode unir mulher e humano do mesmo jeito que não pode unir matéria e anti-matéria, eles são projetados pra não serem estáveis juntos e fazem uma grande explosão dentro da cabeça da pobre garota que acredita em ambos”

[24] FAUSTO-STERLING 1993.

[25] IRIGARAY 1974/1985.

[26] WITTIG 1976/1992.

[27] WITTIG 1976/1992.

[28] BUTLER 1990/2003, 1993.

[29] BUTLER 1993, 2004.

[30] BUTLER 1990/2003, 1993, 2004.

[31] AGAMBEN 2002

[32] BUTLER, 2004, p. 211 Nossa tradução.

[33] HARAWAY 1991.

[34] WITTIG 1976/1992.

[35] DELEUZE e GUATTARI, 1980/1997.

[36] BUTLER 1990/2003.

[37] BUTLER 2004, p. 198

[38] Cf. o título do livro de Kate Bornstein (1995)

[39] Op. Cit.

[40] WILCHINS 1997. Ver também a perspectiva das diferenças multiplicadas indefinidamente que aparece, por exemplo, em Queen & Schimel (1997).

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